miércoles, 18 de julio de 2012


 CAJE TEVE UMA SOLUÇÃO…
CIAGO


INFELIZMENTE NO GOVENO DE ARRUDA SE TROCOU UMA PEDAGOGIA CERTA POR UMA “pedagogia” DA CONTENÇÃO E DA ALIENAÇÃO



POR: RAMON NONATO.

DEDICATÓRIA


Quero dedicar este livro de maneira especial e com todo meu carinho a duas pessoas maravilhosas em quem descubro as virtudes dos anjos feitas realidade em homens de carne e oso. Elas são:

Dom João Brás de Aviz Arcebispo de Brasília de quem posso dizer sem temor a equivocar-me e com a certeza que da a experiência dos momentos compartilhados, que seu trabalho como pastor da igreja de Brasília lhe há merecido com imenso carinho, o respeito e a credibilidade dos cidadãos. Seu amor, sua disponibilidade, sua incansável luta na construção do Reino de Deus e sua entrega incondicional faz dele um verdadeiro pastor do qual me sinto orgulhoso de seguir e a quem faço votos de confiança e lealdade; ele encarna os valores de um apaixonado apostolo de Cristo.        


O doutor Anderson Pereira de Andrade Promotor da Infância e Juventude, a quem lhe professo um profundo respeito e admiração pela maneira aguerrida e compromissada como assume seu exercício profissional, por sua transparência, força e clareza na exposição das idéias, aquelas que sem ambigüidades declara ao anunciar e denunciar aquilo que está em franco detrimento da justiça. Seu espírito crítico e analítico faz dele uma pessoa o suficientemente forte para permanecer incólume ante a adversidade.


AGRADECIMENTOS


Quero expressar meu mais profundo sentimento de gratidão para todos aqueles com os quais tenho compartilhado ao longo destes três anos de minha permanência no Brasil tantos momentos de satisfação, de alegria e também, por que não dizê-lo, momentos de adversidade. Certamente todo isto tem contribuído para fortalecer nossas amizades.

Por meio destas letras agradeço ao Padre Manolo sua amizade sua estima e carinho para comigo, sentimentos que compartimos de maneira recíproca. É maravilhoso comprovar como depois de 18 anos nossa amizade tem se consolidado sobre a base da correção fraterna e o profundo respeito pela diferença. Nele admiro de maneira especial sua força e capacidade de trabalho com os adolescentes.

A doutora Beth Garcia Rodrigues expresso meu sentimento de gratidão por estes anos de amizade e de trabalho. Nela encontrei uma mulher de grande qualidade humana e de um profissionalismo excepcional, ela sabe de maneira magistral identificar e colocar os limites entre o que corresponde ao âmbito das ralações de amizade e o que pertence ao âmbito profissional. Durante o tempo compartilhado pude evidenciar com admiração que seu trabalho pelos adolescentes em situação de conflito com a lei é desenvolvido como se fosse vocação com o qual se tem comprometido com alma vida e coração. Por isso não tem poupado nenhum esforço na luta por brindar a melhor atenção a estes.

Ao doutor Paulo Márquez a quem estimo e considero um grande amigo. Impossível seria não reconhecer o muito que tenho aprendido a seu lado; sua inteligência, sua capacidade de ler a realidade tal e como é para logo brindar plausíveis alternativas, seu espírito crítico e seu estilo impecável na maneira profunda de escrever lhe fazem merecedor do titulo que graças a seu esforço e dedicação tem recebido como doutor em educação. Igualmente quero reconhecer-lhe e agradecer a excelente gestão desenvolvida junto com a Subsecretaria especial de Direitos Humanos para que os Amigonianos tivessem a oportunidade de mostrar para o Brasil uma alternativa diferente na atenção dos adolescentes em situação de conflito com a lei, alternativa pedagógica que defende pelos princípios um trato digno e humano.

A doutora Edna Lucia Gómez porque foi ela uma das primeiras em romper os paradigmas de atenção em centros de internação para adolescentes. Ela com seu caráter forte e arrasador sem render-lhe satisfação a ninguém, com uma convicção absoluta em seus objetivos marcados abriu o caminho para que os Amigonianos exercessem seu carisma em Belo Horizonte e Brasília.

Ao doutor Renato Rodovalho Scussel pela credibilidade em nossa proposta pedagógica, por seu apoio incondicional a Congregação, apoio que tem se manifestado ao longo destes anos em sua atitude altruísta; em sua abertura e disponibilidade para escutar com dedicada atenção nossas inquietudes, como também para exigir com denotado carinho e amabilidade uma atenção que responda as necessidades das crianças e adolescentes que se encontram sobe nossa responsabilidade.

Quero agradecer também a doutora Selma Leite do Nascimento Sauerbronn Promotora do Ministério Público, por seu compromisso e exigência com a prática de modelos de atenção adequados. Ela foi uma das primeiras que apostou em um modelo de atenção diferente que propendera por uma formação em valores com um tratamento disciplinado e respeitoso que prioriza os direitos humanos.

Ao doutor Manoel Bastos Brabo, que de bravo só tem o nome; agradeço todos e cada um dos momentos compartilhados. Nele tenho encontrado a sapiência dos sábios e o coração dos nobres. Seu estilo ponderado e assertivo de encontrar alternativas de solução em situações de penumbra e desolação faz dele um ser extraordinário.

Ao doutor Brasil José S. Santos por seu carinho e dedicação para com a Congregação, por seu espírito de disponibilidade ante as necessidades dos demais, por seu esmero e preocupação para que todos os desafios empreendidos cheguem a bom termo.

A Diego Augusto Santa por todos estes anos de amizade, pelo respeito e grande estima que nos professamos mutuamente. Nele valorizo especialmente sua capacidade para trabalhar em equipe, sua habilidade natural para ganhar a confiança dos adolescentes e desde logo sua entrega, compromisso, e dedicação na atenção aos adolescentes sujeitos de nossa intervenção.

A Gonzalo Salazar a quem conheço desde meus primeiros anos como religioso lhe agradeço seu carinho companhia e apoio em todos os momentos que compartilhamos juntos, principalmente naqueles períodos agitados nos quais me vi imerso por causa de meu carisma religioso.

Agradeço também a Wenderson Monteior por sua amizade, pela força e apoio que me oferecera justo quando mais necessitei. Nele aprecio seu entusiasmo nas coisas que faz e valoro especialmente seu sentimento diáfano e altruísta pelos amigos sinceros.

Por último, mas não por isso menos importante quero agradecer a Katyusce Loyane Ribeiro por todos os maravilhosos momentos compartilhados, por seus olhos divinos, pelo carinho e disponibilidade para comigo. Mas sobre tudo pela lealdade que sempre me professara. Minha Katyusce que o Senhor Deus te abençoe e nunca perca de vista que numa sociedade regida pelas conveniências sua qualidade (a lealdade) é o maior tesouro que se pode encontrar.                 



SUMÁRIO



1.   CAPÍTULO I
* PROJETO CIAGO

* Dinâmica da capacitação

2.   CAPÍTULO II
* A PROPOSTA PEDAGÓGICA AMIGONIANA GANHA CREDIBILIDADE E ADMIRAÇÃO

3.   CAPÍTULO III
* DE UM GOVERNO SENSÍVEL COM AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS A UM GOVERNO INSENSÍVEL FRENTE A ESTA REALIDADE

4.   CAPÍTULO IV
* UMA ORDEM DE PRISÃO QUE JUSTIFICARÍA A SÁIDA DOS AMIGONIANOS DO CIAGO
       
         * A Papuda

5.   CAPÍTULO V
* DA CADEIA DA INCERTEZA E A IRA PARA A LIBERDADE DA RAZÂO E O PERDÂO

* Mensagem de Solidariedade

6.   CAPÍTULO VI
* DA SOLIDÂO DA CADEIA, PARA A DEFESA DA PEDAGOGÍA AMIGONIANA

* Angústia que gera a incerteza no futuro
* Ficar sem atividade é ruim
* A solidão
* Chamar e ninguém atender
* Falta da família
* O valor de um espaço limpo e arrumado

7.   CAPÍTULO VII
* CONCRETIZAÇÂO DE UMA INTENÇÂO
      
        * Oficio de saída   
* Oficio dos Amigonianos

8.   CAPÍTULO VIII
* AGORA SÓ FICA UMA REALIDADE PARADOXAL QUE MERECE SER REFLETIDA

* Unidades de atendimento com estruturas físicas inadequadas
* Quadro de pessoal inadequado
* Recursos humanos insuficientes
* Incapacidade e medo no trato com os adolescentes
* Ausência de um projeto pedagógico
* Ausência de um sistema integrado e articulado de medidas sócio-educativas
* Mudança de Logus da execução das medidas sócio-educativas no âmbito governamental

ANEXO I
* ALGUMAS ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS DO MODELO AMIGONIANO QUE FAVORECEM A MUDANÇA

* Procurando Alternativas
* Elaboração de filosofias
* Fortalecendo esperanças
* Encontro de Educadores
* Espiritualidade como Capacidade de transcendência

ANEXO II
* PROCESSO INTEREDUCATIVO POR NÍVEIS DE CRESCIMENTO 

* Estrutura do Processo por níveis
* Nível Acolhida
* Nível Compartilhar
* Nível Fortalecer
* Avaliação das tarefas realizadas pelos adolescentes nos diferentes Níveis de crescimento
* Referencias Bibliográficas



CAPÍTULO I


PROJETO CIAGO

“Os três grandes fundamentos para se conseguir qualquer coisa são, primeiro, trabalho árduo; segundo, perseverança; terceiro senso comum.”

Thomas A. Edison


O Centro de Internação de Adolescentes Granja das Oliveiras (CIAGO) destinado ao atendimento de adolescentes em cumprimento de medida sócio-educativa de internação decretada pelo Juiz da Vara da Infância foi cedido no dia 4 de abril de 2006 aos Religiosos Terciários Capuchinhos de Nossa Senhora das Dores para sua administração. A razão desta decisão foi com o intuito de dar continuidade ao trabalho que três anos antes já os Amigonianos vinham desenvolvendo no CESAMI. O Governo do distrito Federal consciente da experiência centenária dos Amigonianos no trabalho com adolescentes em conflito com a lei estabeleceu parceria com a Congregação e confio-lhe a administração do centro e execução da Proposta pedagógica Amigoniana com o objetivo de oferecer oportunidades de mudança para os adolescentes que responda a suas necessidades respeitando seus direitos. A instituição foi desenhada para abrigar 144 adolescentes do sexo masculino com idades entre 12 a 18 anos com a possibilidade de aumentar a permanência até os 21 anos medida contemplada no Estatuto da Criança e do Adolescente. 

O Centro de Internação de Adolescentes Granja das Oliveiras esta localizado no entorno da área metropolitana da cidade de Brasília Distrito Federal capital do Brasil. Ali os Amigonianos em parceria com a então Secretaria de Estado de Ação Social do Distrito Federal e tendo como base o Estatuto da Criança e do Adolescente, e as diretrizes da Convenção Internacional como a Constituição Federal de 1988; buscaram em conjunto discutir, desenhar e executar um processo pedagógico para oferecer ao adolescente a possibilidade de vivenciar um processo de reeducação num ambiente familiar e de dialogo que propenda pela formação de um sujeito capaz de transformar sua própria realidade a partir de um programa de atenção integral. Para isto se buscou, igualmente, garantir o direito à participação ativa e de maneira crítica no processo pedagógico por meio de estratégias que motivam o adolescente a assumir um papel protagonista dentro de seu processo de mudança.

O projeto pedagógico desenhado para CIAGO tinha como prioridade, além da reeducação dos adolescentes, a integração das famílias dentro do processo reeducativo, de tal maneira que juntos (adolescentes e família) compreendam a responsabilidade de enfrentar e superar as situações geradoras de conflitos e de maneira simultânea recuperar e fortalecer os valores familiares.

Em seguida vamos dar uma olhada neste projeto, feito realidade chamado CIAGO.

No dia 25 de abril de 2006, foi assinado o convênio entre o governo do Distrito Federal e a Congregação dos Religiosos Terciários Capuchinhos para trabalhar de maneira conjunta na administração e execução do Projeto Pedagógico Amigoniano, projeto que se fundamenta no uso da palavra como ferramenta sine qua non na dinâmica do dia a dia, tanto nas relações profissionais que se estabelecem entre os funcionários, como também com os adolescentes. Isto quer dizer que os adolescentes têm todo o direito a opinar e decidir sobre as atividades desenvolvidas ao interior da instituição.

A partir do 1 de maio começou o processo de entrevista e primeira seleção dos funcionários; foi um processo muito dispendioso considerando que o objetivo foi escolher 360 pessoas as quais entrariam num processo de treinamento para posteriormente selecionar 330 pessoas as que formariam a equipe de funcionários de CIAGO. As entrevistas se realizaram de segunda-feira a sábado no horário das 08:00 até as 21:00.  Esta atividade foi concluída no final de maio. Seguidamente no dia 29 do mesmo mês iniciou-se a capacitação para todos os selecionados, um total de 358 candidatos.


Dinâmica da capacitação.

A capacitação se desenvolveu nas instalações de SESC SENAT de Taguatinga, um lugar que apresenta excelentes e confortáveis salas para reuniões com um auditório dotado com tecnologia adequada para cumprir os objetivos que se pretendia. Igualmente, e para conforto dos participantes, conta com um ginásio múltiplo e formidáveis áreas verdes como espaço de lazer. A capacitação foi planejada e executada com a direção e coordenação do Padre Manolo que é considerado pessoa de muita experiência no trabalho com adolescentes infratores, trabalho desenvolvido no âmbito nacional e internacional. Esta atividade foi desenvolvida durante o período de cinco semanas de segunda-feira a sexta-feira num horário de 08:00 até as 18:00. Os temas da primeira semana foram: Princípios, políticas e valores da filosofia Amigoniana, perfil do educador Amigoniano e perfil do adolescente infrator; na segunda semana se abordou o tema: procedimentos e metodologias, no qual se incluía as tarefas e ajudas pedagógicas próprias a serem desenvolvidas pelos adolescentes, como também as técnicas de intervenção como seminário, colóquio, diário terapêutico, espaços de reflexão, intervenção individual, intervenção grupal, equipes técnicas, encontros especiais, conselho de alunos etc.

Na terceira semana se abordaram temas de sentido de vida e vazio existencial, impulsividade e autocontrole, transformando a adversidade em algo positivo, Estatuto da Criança e do Adolescente, rede interinstitucional. A seguinte semana, o trabalho foi orientado de maneira especial na resolução de conflitos em nível familiar, preparação emocional para mediação pacifica de conflitos diante de crises, drogas legais e drogas ilegais, técnicas de imobilização e contenção em instituições de internação de adolescentes. E por fim na quinta semana e com a participação de todos se construiu o Plano de Ação do CIAGO.

Finalizado o processo de capacitação foram contratados, no dia 1 de julho, os primeiros funcionários que formariam a equipe interdisciplinar. Igualmente se estabeleceu em conjunto com o Juiz da Vara da Infância, a Promotoria e a Secretaria de Ação Social (SEAS) o ingresso dos adolescentes provenientes do CAJE em grupos de 15, os quais deviam chegar a cada 15 dias, de tal maneira que em dezembro de 2006 se teria todos os adolescentes. Isto dependeria tanto da chegada dos professores, os quais eram enviados pela Secretaria de Educação, como dos equipamentos das oficinas que ainda faltavam.

Todo o esforço anterior, desde a construção física do CIAGO, a seleção de pessoal, passando pela capacitação até a chegada do primeiro grupo de adolescentes, obedeceu à urgência que se tinha de dar una resposta adequada e qualificada na atenção dos adolescentes sujeitos da medida de internação. Até este momento não se tinha no Distrito Federal um espaço adequado que cumprisse com as condições mínimas, estabelecidas na Convenção Internacional, em termos de estrutura física e proposta pedagógica.

Como exemplo, basta dizer que nos anos 2005 e 2006 respectivamente foram brutalmente assassinados dois adolescentes no único centro de internação que tinha o Distrito Federal (CAJE) isso sem mencionar os homicídios dos anos passados, como também não as agressões que sofreram alguns adolescentes com armas diversas por parte de seus companheiros. A situação do CAJE, como a situação de outras unidades de internação ao longo do território Nacional, mostrou, nesse momento, una realidade complexa vivenciada por aqueles que estão cumprindo com medida de internação. Esta realidade a meu ver bem se poderia condensar como “Uma situação delicada de considerável risco” na qual os adolescentes são os primeiros em tirar proveito.

Esta situação favorece que os funcionários deste tipo de instituição, não concebem um programa de atendimento onde não se utilize da força como ferramenta de defesa frente aos “perigosos” adolescentes, os quais o único dever que tem como “delinqüente” é o de obedecer. Como também não concebem um programa de atendimento onde os adolescentes permaneçam a maior parte do tempo fora de seus alojamentos. Inclusive em reiteradas ocasiões escutei testemunhas de adolescentes y de funcionários falando que estes jovens passam a maior parte do tempo trancados em quartos pequenos, com superlotação e são retirados para o “banho de sol” em pequenos grupos, isto em minha opinião é uma transgressão à dignidade humana. Nesta perspectiva não é de se estranhar à tensão constante que impera nestes lugares como também o surgimento de motins e rebeliões. Quando o ser humano não é tratado com respeito e dignidade não é possível esperar como resposta atitudes de uma pessoa civilizada.
Precisamente, a periculosidade dos adolescentes e sua realidade de cadeia, pode ser um dos motivos pelo qual este tipo de programa conta com um número tão elevado de funcionários. Neste contexto, não é possível acreditar e muito menos entender que uma instituição administrada pelos Amigonianos na Colômbia abrigue 350 adolescentes em medida de internação e conta só mente com duzentos funcionários aproximadamente. A situação aqui é inversa para 250 adolescentes o número de funcionários pode chegar aos quinhentos. Paradoxalmente os adolescentes da Colômbia apresentam os mesmos delitos de ingresso nos programas de internação e isto se deve simplesmente ao fato de que nossos Juizes da Vara da Infância e a Juventude devem orientar-se pelo Código de Menores estabelecido na Colômbia, o qual foi construído tendo como referencia o Estatuto da Criança e do Adolescente do Brasil.

Neste sentido a proposta dos Amigonianos para Brasília foi começar trabalhando com o número de funcionários estabelecido em outras instituições já existentes. Mas com a perspectiva de num período de três anos, tempo necessário e suficiente para consolidar a proposta, diminuir o número de funcionários. Isto seria possível em uma geração de cultura diferente frente ao relacionamento com os adolescentes em conflito com a lei. Para isso é fundamental começar por capacitar os funcionários para que entendam e aceitem o adolescente infrator não como seu inimigo se não como alguém que está precisando de orientação y de opções diferentes frente à vida.



CAPÍTULO II

A PROPOSTA PEDAGÓGICA AMIGONIANA GANHA CREDIBILIDADE E ADMIRAÇÃO

“Nada é mais importante do que criar um ambiente no qual as pessoas sintam que fazem uma diferença. Não há como se sentir bem em relação ao que você está fazendo sem acreditar que está fazendo uma diferença”.

(Jack Stack)

Quando os Amigonianos chegaram à Brasília para trabalhar juntamente com o governo do Distrito Federal na execução da Medida Sócio-educativa de internação criou-se por parte de algumas pessoas, especialmente com alguns representantes dos órgãos da justiça um ambiente de expectativa e esperança frente a uma nova proposta de intervenção pedagógica com adolescentes em conflito com a lei. Em outras o sentimento foi de ciúmes e medo por se sentirem ameaçados quanto ao trabalho desenvolvido, uma vês que a efetiva implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente, na perspectiva da proteção integral ainda era um caminho longo por percorrer, chegando inclusive a comentar-se que não entendiam como alguns colombianos vinham ao Brasil para ensinar novas e melhores formas de atuar com adolescentes em situação de conflito com a lei, evidentemente não sabiam que no âmbito da execução das Medidas Sócio-educativas Colômbia tinha muito por oferecer.

Foi precisamente neste cenário de positiva perspectiva por parte de algumas pessoas e de incredulidade em outras que se iniciou o atendimento no CESAMI. O padre Manolo foi extremamente criticado por ter uma relação de aproximação com os adolescentes compartilhando inclusive o momento das refeições com os mesmos e por defender os direitos destes mesmos adolescentes exigindo por parte dos funcionários um tratamento digno e amável para com eles incluindo o respeito e a valorização do adolescente enquanto sujeito de seu processo pedagógico oportunizando o cumprimento da jornada pedagógica fora dos alojamentos em atividades previamente planejadas. Com o tempo as autoridades, os adolescentes, as famílias e a sociedade viram que realmente era possível oferecer um tratamento diferenciado aos adolescentes em conflito com alei.

Neste sentido o inicio do atendimento no CIAGO não foi diferente a resistência por parte de algumas pessoas não se fez esperar até nossos funcionários duvidavam de que fosse possível realizar um trabalho com adolescentes com medida Sócio-educativa de internação dentro dos parâmetros propostos pela Convenção Internacional. Daí que nossa maior dificuldade não foi o adolescente, mas sim a formação das equipes de trabalho de fato os primeiros esforços foram orientados no sentido de fortalecer o trabalho em equipe, com unidade de critérios isso favoreceu decisivamente as relações e o dialogo com os adolescentes. Foi surpreendente perceber no inicio da intervenção que os adolescentes não queriam ser ajudados, e manifestavam sua resistência de maneira clara e sem escrúpulos exigiam ser tratados como “delinqüentes” demonstrando total rejeição as palavras amáveis por parte dos funcionários além de demonstrarem-se desconfiados com as estratégias pedagógicas oferecidas. Lembro agora que em duas ocasiões diferentes dois deles afirmaram que não dormiam direito porque ficavam esperando o momento em que seriam retirados dos alojamentos para serem agredidos. A situação de desconfiança como de desesperança experimentada por eles frente a esta nova proposta de trabalho nos primeiros meses foi muito grande como foi mais incrível ainda ter 16 tentativas de suicídio em três meses (registrados devidamente no arquivo). Não obstante à medida que o tempo avançava conseguiu-se reverter este panorama.

Neste momento considero conveniente fazer uma breve descrição de algumas características dos adolescentes que fizeram parte do CIAGO. Os seguintes dados saem da pesquisa feita nas pastas e relatórios de cada um dos adolescentes que participaram da instituição desde julho de 2006 até julho de 2007. O resultado da pesquisa mostrou que 89% dos adolescentes contavam entre 15 á 17anos, 6% tiveram entre 18 á 21 anos e 5% dos adolescentes tiveram entre 12 á 14 anos. O seguinte gráfico registrou esta porcentagem.   

A pesquisa encontrou também que alguns dos motivos que levaram aos adolescentes a entrarem na instituição foram delitos graves cometidos ou na repetição de delitos de menor gravidade. Entre os primeiros encontramos o latrocínio[1], o Homicídio e Roubo. No segundo se poderia agrupar o que se chamam tentativas, bem seja de roubo, latrocínio ou homicídio.

As famílias destes adolescentes se caracterizaram em sua grande maioria por serem conformadas com nova presença de figura masculina. Razão pela qual muitos dos adolescentes tiveram pais separados e viveram experiência de conviver com um padrasto. Outras famílias foram mono-parental com autoridade feminina, e encontraram-se igualmente famílias nucleares incompletas por ausência do pai por falecimento, por abandono ou pela simples inexistência do mesmo.

Quanto à composição familiar se observou que o maior numero das famílias estiveram formadas por mais de seis membros, entre pais, filhos e outros membros que fizeram parte do núcleo familiar, como avô e tios, seguido por famílias que tiveram até cinco membros. Uma quantidade menor estivera constituída pelas famílias formadas por até três pessoas. No que diz respeito à dinâmica familiar, e segundo os registros dos grupos terapêuticos, encontrou-se que a principal característica destas famílias foi à falta de autoridade por parte dos adultos responsáveis pelos filhos e carência de limites claros e normas no interior dos núcleos familiares.

Encontrou-se também, duas posturas usuais das famílias frente aos adolescentes, a primeira delas caracterizou-se por mostrarem-se inconscientes frente à realidade do adolescente negando a situação ou expressando que desconheciam o que estava passando, referem-se especificamente a imagem que tinham do filho interno, a quem viram como um jovem que sempre fora bom exemplo, que não tinha vícios, considerado como o chefe da família, um jovem que sempre fora muito respeitoso colaborador em casa e com muita consideração para com seus pais e irmãos. Na segunda postura as famílias abandonaram o filho por sentirem-se defraudados, decepcionados por seu comportamento, se sentiram envergonhados do filho de quem não esperavam nunca esta atitude, terminaram por considerar-lo delinqüente e como eles mesmos expressaram “nunca deixaram de ser aquilo que são” lhes abandonam e rejeitam voluntariamente qualquer obrigação moral e material para com eles.

Grosso modo esta foi à população objeto de atenção, com ela se trabalhou conjuntamente alcançando num tempo relativamente curto mudanças significativas nos adolescentes e nas famílias. O primeiro resultado que se alcançou foi mudar o imaginário ruim de cadeia que tiveram as famílias. Isto fortaleceu as esperanças de recuperar os filhos, igualmente acendeu a motivação e o interesse de participar nas diferentes atividades que eram oferecidas na instituição. Por outro lado, os adolescentes fortaleceram positivamente sua relação com os funcionários ao tempo que começaram a participar com renovado interesse do processo pedagógico, das aulas, das atividades esportivas, das poucas oficinas, da limpeza da casa, dos atos culturais que se realizaram no auditório chegando a reunir neste mesmo lugar 120 deles o que era considerado por muitos uma verdadeira utopia. 

Hoje lembro as palavras de Gerardo um ex-religioso quem outrora tempo fora o diretor do Centro Luis Amigo de Belo Horizonte ele falou que no Brasil não era possível ter uma instituição onde todos os adolescentes ficassem em atividades simultâneas (escola, oficinas, grupos terapêuticos, esporte etc.) realizando deslocamentos sem desrespeitar-se uns contra outros ou gerando brigas de gangues com outros grupos. Durante o tempo que os amigonianos trabalharam no CIAGO isto foi uma realidade de fato foi rotineiro observar a maneira disciplinada como aconteciam os deslocamentos dos adolescentes como o fato real de não existir um problema de gangues. Realmente foram muitas as conquistas obtidas e desta maneira apresenta a avaliação realizada com as famílias e os adolescentes da qual vale a pena ressaltar alguns aspetos que servem de exemplo.

A Congregação achou por bem avaliar a operacionalização das ações em desenvolvimento frente aos adolescentes, familiares e funcionários enfocando a qualidade do atendimento neste período. E também o modelo de intervenção conjuntamente adotado pela então Secretaria de Estado de Ação Social/DF na modalidade de Gestão Compartilhada entre a Congregação dos Religiosos Terciários Capuchinhos de Nossa Senhora das Dores e o Governo do Distrito Federal. O resultado desta avaliação mostrou que os adolescentes começaram a entender e vivenciar a Pedagogia Amigoniana e compreenderam que a mesma ofereceu um atendimento que buscou formar de maneira integral, pessoal, familiar e social. Igualmente experimentaram que a instituição cumpriu com o estabelecido pelas Regras da ONU no item que diz “os adolescentes privados de liberdade têm direito a instalações e serviços que preencham todos os requisitos de saúde e dignidade humana”, princípio ratificado nos artigos 94 e 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Outro aspecto considerado de relevância para os adolescentes foi o respeito pela pessoa. Segundo os mesmos, o respeito e à garantia dos direitos fundamentais no desenvolvimento do processo de intervenção inter-educativo contribui para a construção de um caminho estruturado e claramente definido pelo projeto pedagógico. Neste sentido o Processo Metodológico de Intervenção Inter-educativo foi estruturado de forma a permitir que o adolescente, através de diferentes etapas, consiga a maturidade, descobrindo, assimilando e trabalhando suas dificuldades e problemáticas pessoais, familiares e sociais. O modelo pedagógico Amigoniano estabelece um método progressivo, por etapas que se desenvolvem paulatinamente sustentado por um regime disciplinar e de acompanhamento.

Observou-se também que o ambiente favoreceu o acolhimento e tranqüilidade para os adolescentes, além do tratamento digno e respeitoso, valorizado sobremaneira, pelos adolescentes, no desenvolvimento diário dos trabalhos. Ressaltaram ainda que o atendimento individualizado valorizou a escuta, o que os motivou a compartilhar seus problemas e necessidades.

Segundo os adolescentes uma das grandes fortalezas do Projeto Pedagógico foi a possibilidade de freqüentar a escola sistematicamente e contar com todos os recursos necessários para o desenvolvimento intelectual. Eles manifestaram em diversas avaliações que com a Pedagogia Amigoniana aprenderam a ter mais autocontrole e que pouco a pouco tiveram a confiança das famílias. Outra das conquistas no processo pedagógico foi conhecer os níveis de crescimento que compõe o processo inter-educativo e vislumbrar as possibilidades de progredirem a partir das conquistas obtidas. Os adolescentes valorizaram, de maneira especial, o processo de internação ao vivenciar o processo metodológico de intervenção e compreender que existem etapas/níveis definidos com clareza a serem cumpridos.

Até aqui alguns apartes da avaliação, não obstante é importante ressaltar outros aspetos de considerável valor que apresentam a efetividade do trabalho desenvolvido no CIAGO por meio da pedagogia Amigoniana:

  • A palavra foi a principal ferramenta utilizada no trabalho com os adolescentes eles puderam manifestar abertamente e em termos adequados suas objeções como também suas sugestões perante a dinâmica nas diferentes atividades.
  • A escola foi para eles um lugar de notável valor e respeito em razão disto nunca ocorrera nenhum problema que colocasse em risco a vida deles.
  • Também o diálogo aberto e a capacidade de escuta dos funcionários como as diferentes estratégias pedagógicas favoreceram de maneira admirável a eliminação das gangues. De fato nunca tivéramos no interior da instituição problemas de formação ou surgimento delas.
  • A possibilidade de fazer as refeições no refeitório favoreceu o ambiente familiar, também este lugar foi considerado pelos adolescentes de profundo respeito inclusive aqui também não tivéramos nenhuma dificuldade importante.
  •  Os adolescentes aproveitaram adequadamente o tempo que ficaram fora do alojamento. Eles no transcurso do dia só ficaram fechados no alojamento depois do almoço e por uma hora com o fim de favorecer o descanso dos educadores. 

Todo o anterior foi possível porque sempre se lutou por ter uma equipe interdisciplinar que favorecesse uma acolhida calorosa e afetiva, segundo princípio da Pedagogia Amigoniana, tanto para o adolescente, quanto para a sua família, para que mediante um processo de sensibilização, aceitação e aprofundamento das situações de conflito que o levaram ao desenvolvimento de condutas dissociadas, puderam optar por uma alternativa que os ajudasse na solução do conflito. A equipe trabalhara realizando diagnóstico e intervenções sistemáticas e sistêmicas, com uma visão preventiva, interdisciplinar e pedagógica, das condições bio-psico-social do adolescente e da família, oferecendo orientações que conduzissem à redução dos fatores de risco que atrapalham as relações no convívio social e pudessem melhorar a qualidade da vida dos usuários do programa.

As estratégias inter-educativas (grupos sócio-terapêuticos especializados) e pedagógicas que se desenvolveram permitiram realizar o PIA (Projeto Individual de Atendimento) a partir das diferentes áreas, propondo assim ações a serem desenvolvidas no processo, sempre visando à resolução dos conflitos que se apresentaram. Uma das estratégias foi dividir o grupo em pequenas turmas de doze adolescentes, com estrutura própria, cada turma acompanhada por um educador profissional na área da educação, segundo o nível de crescimento no processo pedagógico.

Em resumo se pode dizer que um processo de mudança no comportamento destes adolescentes foi possível a partir do exercício livre da palavra conjuntamente com atividades pedagógicas previamente planejadas e nunca utilizando a contenção ou a submissão como ferramenta de intervenção.


[1] Roubo feito com violência gerando na vitima lesões de gravidade ou morte. 



CAPÍTULO III

DE UM GOVERNO SENSÍVEL COM AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS A UM GOVERNO INSENSÍVEL FRENTE A ESTA REALIDADE

“Não penses mal dos que procedem mal;
pensa somente que estão equivocados.”

Sócrates.

Um dos momentos mais delicados que certamente tem cada país, que se diga chamar democrático, é sem dúvida nenhuma o período das eleições de seus governantes. A troca de um governo a outro gera mudanças que afeta direta ou indiretamente toda população isto abrange igualmente muitos dos projetos sociais em execução pelo governo que sai. Esta situação tende a agravar-se, quando o governo que entra mantém uma linha política de oposição frente o governo que sai. Oposição que infelizmente nem sempre assume compromissos de luta pelo povo, de luta pela dignidade e bem-estar dos cidadãos.


Qualquer que seja a razão no exercício de fazer oposição, ou melhor, no exercício administrativo do novo governo, é compreensível entender que esta nova administração queira deixar sua marca na história. Ou se possível, desenvolver um projeto que transcenda as fronteiras de sua gestão o que certamente deixaria uma marca indelével no coração dos presentes e das gerações futuras e que se constitui em história; sem dúvida isto não é uma tarefa fácil por varias razões: em primeiro lugar são muitos os problemas sociais, econômicos, culturais, jurídicos, e de saúde a que se tem que atender em caráter de prioridade. Em segundo lugar a equipe de governo, os assessores e demais funcionários que acompanham de perto a gestão de governo é chave fundamental na conquista dos objetivos perseguidos por cada governante.


Depreende-se daí que é de vital importância contar com governantes capazes de executarem uma gestão com critérios de inteireza, de altruísmo e luta honesta pelo povo, especialmente por aqueles que mais necessitam. Governantes que tenham conhecimentos e experiência necessários para desempenharem suas tarefas minimamente aceitáveis. Governantes que tenham a coragem e a nobreza de reconhecerem programas e projetos de sucesso de gestões passadas e darem continuidade a eles, inclusive potencializando-os.  

Com base no anterior é lamentável e triste ter que reconhecer que a mudança de governo tenha trazido para o D.Fmais problemas que soluções, mais autoritarismo que diálogo aberto, e mais desconhecimento e inexperiência na área dos adolescentes em conflito com a lei o que está levando irremediavelmente a um retrocesso brutal ao processo em curso, assumido anteriormente frente aos órgãos de Justiça local, Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente e Comissão Interamericana de Direitos Humanos que assumiu compromissos de promover a ampliação e descentralização do atendimento Sócio-educativo no âmbito do Distrito Federal. Retrocesso este que não parece dar mostras de parar, pelo contrário o panorama que se vislumbra é sombrio e por demais preocupante, parecendo o Distrito Federal a caminho irremediavelmente de um desastre nas alternativas propostas para o atendimento das crianças e adolescentes em situação de conflito com a lei. Esta realidade se deixa ver com absoluta clareza a partir do inicio de 2007 momento em que o novo governo assume o governo de D.F. Com isto não se está afirmando que o governador José Roberto Arruda seja o único e direto responsável pela situação atual na qual estão submetidos e seguem submetendo de maneira sistemática todos os adolescentes em situação de conflito com a lei. Inclusive nos pouquíssimos momentos que tive a oportunidade de relacionar-me com o Governador posso dizer que é uma pessoa muito inteligente, que tem dons importantes e uma capacidade de liderar ótima. Não Obstante parece que não tem sabido escolher pessoas com a suficiente experiência e capacidade para lidar a área das medidas sócio-educativas, e assim sendo, neste sentido ele é também responsável em potencial pelo desastre que está em gestação.

Parece também que uma das características mais sobressalentes deste governo é a inexperiência e a insensibilidade frente aos adolescentes em situação de conflito com a lei, em outras palavras estamos frente a um governo insensível perante esta realidade. Esta insensibilidade tem deixado ver e continua manifestando-se em ações e decisões que em nada têm favorecido o crescimento e fortalecimento nas medidas de atenção dos adolescentes em conflito com a lei, pelo contrário o resultado que se vem conseguindo é minar e deteriorar o processo de conquistas alcançado até então.

Nesta perspectiva, ou seja, desde uma perspectiva de insensibilidade é possível entender por que este novo governo deixa de fora pessoas que sendo da casa e concursados, com experiência e anos de trabalho e dedicação conseguiram planejar um caminho apropriado para dar resposta frente ao fenômeno crescente dos delitos cometidos pelos adolescentes, e em seu lugar colocar pessoas sem nenhuma experiência no trabalho com medida sócio-educativa de internação. Em decorrência desta inexperiência e falta de preparação acadêmica o que se conseguiu foi um ambiente de intrigas, ciúmes e suspeitas que tinha como objetivo afastar os amigonianos da gestão da instituição objetivo que como vamos ver foi alcançado em franco detrimento dos adolescentes porque ao final e para referendar a insensibilidade do governo, os que obviamente seriam os maiores perdedores eram aqueles “insignificantes” que menos importância tem dentro de um contexto onde não se prioriza as políticas sociais, ou seja, os jovens em situação de conflito com a lei e obviamente suas famílias.

Foi claro desde o começo do novo governo, e explicitado em diversas reuniões, que a prioridade era a contenção nos centros de internação, porque não se poderia perder de vista que estes adolescentes eram “delinqüentes” e por tanto eles deveriam ser tratados com rigor. Por isto se planejou a construção de mais guaritas e melhorar as já existentes no CAJE; e ainda foi verbalizado expressamente em varias reuniões pelo doutor Paulo Chagas, subsecretário de Justiça, que todas as unidades de internação teriam policiais no interior das mesmas e isso incluía o CIAGO. Desde logo os Amigonianos, conhecedores das convenções internacionais (Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade, 1990) não aceitaram isto. E embora se explicasse que não era permitido ter policiais armados dentro das unidades de internação para adolescentes não fomos escutados e, pelo contrário, passamos de parceiros do atual governo a nos converter em obstáculo para a consecução de seus interesses.

A partir daí começa a sentir-se com mais força o desejo latente, mas não manifesto, pelo menos não verbalmente de algumas pessoas do governo na busca de motivos para tirar os Amigonianos. Neste ambiente, de intranqüilidade e desconfiança começam a surgir dificuldades que para todos eram novas, mas que tinham sérias conseqüências na consolidação da Proposta Pedagógica Amigoniana.

Uma delas foi o atraso do governo em repassar os recursos financeiros para o CIAGO. Isto foi uma infeliz surpresa para todos infeliz pelas conseqüências que acarretaram para o trabalho com os adolescentes e também interferiu na disposição dos funcionários. Os centros de internação como as prisões e os hospitais não podem em nenhuma circunstância sofrer com a falta de repasses financeiros mensais de fato estes recursos são considerados pela lei como “verbas compulsórias” quer dizer que são prioridade e como prioridade se tem que atender porque ao não fazê-lo se pode gerar sérios problemas sociais. Foi surpresa porque durante a gestão anterior os recursos eram repassados dentro dos prazos estabelecidos. Nunca os Amigonianos sofreram com atrasos no repasse dos mesmos. De fato vale a pena mencionar que junto ao Governador Joaquim Domingos Roriz trabalháramos durante quatro anos administrando o CESAMI e que durante este espaço de tempo se conseguiu consolidar uma proposta pedagógica para os adolescentes infratores em internação provisória e em conseqüência da boa implementação da proposta pedagógica e dos ótimos resultados nasceu a idéia de construir o Centro de Internação Granja das Oliveiras CIAGO para equacionar o problema de superlotação no CAJE. Idéia esta que foi trabalhada e discutida por um grupo de pessoas sensíveis, altruístas e honestamente comprometidas com as medidas sócio-educativas, elas com a força e apoio do governo anterior criaram o CIAGO. Hoje infelizmente ante os fatos atuais parece que a saudade do governo Joaquim Domingos Roriz na atenção as medidas sócio-educativas se sente nos corações de muitos. É indiscutível que o governo anterior tinha uma sensibilidade e uma preocupação clara por este segmento da população que também sofre que também sente e que também têm direito a encontrar em seus governantes mais e novas oportunidades que os levem a mudar seu estilo de vida.

Como se fosse pouca esta infeliz surpresa de não repassar os recursos financeiros a tempo, foi-se introduzindo de maneira paulatina que se prolongou por todo tempo que os Amigonianos estiveram a frente do CIAGO. Chegou-se a tocar inclusive, os limites do desespero quando o governo por dois meses consecutivos não fez os repasses devidos em conseqüência os funcionários ao não ter salários para levar a seus lares se estressaram e sua preocupação começou a afetar os adolescentes. Foi a primeira vez que como superior da comunidade do CIAGO, nomeado pelos Amigonianos considerei a possibilidade de entregar a instituição ao governo. Esse dia e com o desejo de fortalecer os funcionários para que não desistissem de seu trabalho e depois de pensar em silêncio durante muito tempo sentado na sala, fiz uma carta a qual pedi para colocar na entrada da instituição. Felizmente deu resultado.  

Mas a firme intenção de alguns por tirar os Amigonianos já que fôramos um obstáculo para seus interesses, se agravou ao ponto de envolver o CESAMI na mesma situação, ou seja, os repasses financeiros também chegaram atrasados.

Em meio a situação exposta anteriormente começa a surgir outra questão que também gerava desconforto no interior da instituição. Começou a circular por toda a instituição inclusive até fora dela se chegou a escutar que uma pessoa, funcionaria do governo tinha como tarefa encontrar razões para “estourar” os Amigonianos, ao ponto de falaram da elaboração de um dossiê que contivesse uma relação de motivos para tirar os Amigonianos e que estes informes eram passados ao Dr. Paulo chagas como também ao Secretario de Justiça. Depois de alguns dias falando disto na instituição e aproveitando uma reunião de diretores, pessoalmente confrontei esta pessoa por todos os comentários que estavam gerando ao redor dela e como era de se esperar negou veementemente e tudo ficou no âmbito da fofoca.

Desta maneira transcorrera 2007, e em todo este tempo o que gerava maior preocupação para os funcionários não era precisamente os adolescentes eram os atrasos nos salários e o medo de ficaram sem trabalho porque alguns funcionários do governo queriam tirar os Amigonianos de qualquer jeito. Uma coisa que jamais foi possível chegar a imaginar foi que algumas pessoas em seu afã de tirar os Amigonianos poderiam ter um espírito tão pobre, tão mesquinho e tão perverso ao ponto de articular uma ordem de prisão.  

     


CAPÍTULO IV

UMA ORDEM DE PRISÃO QUE JUSTIFICARÍA A SÁIDA DOS AMIGONIANOS DO CIAGO

“O valor das coisas não está no tempo em que elas duram,
mas na intensidade com que acontecem.
Por isso existem momentos inesquecíveis,
coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis".
 
(Fernando Pessoa)

Agosto de 2007 continuava num ambiente de incerteza sem nenhuma esperança de mudança positiva apesar das constantes reuniões e ofícios que foram enviados para as autoridades competentes. Neste momento histórico na área das medidas sócio-educativas os responsáveis do governo em ordem hierárquica eram: o Governador José Roberto Arruda, o Secretário de Justiça Direitos Humanos e Cidadania Raimundo Ribeiro, o Subsecretário de Justiça Paulo Chagas ao qual o sistema penitenciário e de medidas Sócio-educativas estava vinculado, e que tinha uma posição privilegiada frente ao corpo de policias do Distrito Federal e o diretor das medidas Sócio-educativas Ricardo Batista. Foi precisamente ao final deste mês, dia 28, que o doutor Paulo Chagas às 6:00 horas da manha chega no CIAGO de maneira intempestiva e absolutamente desrespeitosa, sem comunicar o diretor do centro, ou mesmo avisá-lo de tal procedimento e acompanhado de um pelotão de agentes da policia, alguns lotados no CAJE, ingressaram na unidade com o objetivo de fazer uma revista minuciosa para recolher armas escondidas pelos adolescentes, porque segundo o doutor Paulo Chagas a instituição estava a ponto de explodir numa rebelião, o que não era verdade. 



O resultado da infeliz operação não poderia ser pior; os adolescentes entraram em pânico os funcionários em meio à angústia e a crises nem chegaram a entrar na instituição e ao escutar as bombas de efeito moral que lançaram os agentes ao entrarem nos alojamentos dos adolescentes, os funcionários preferiram retornar para suas casas. Em relação a mim o doutor Paulo Chagas me deu a ordem de permanecer fora da instituição, ordem que obviamente não cumpri. Assim me expressei ao doutor Paulo Chagas quando lhe falei que enquanto eu fosse responsável pela instituição designado pelo Superior Provincial não poderia em nenhuma circunstância ausentar-me de meu dever e nesse momento minha obrigação era acompanhar todo o procedimento para zelar para que nada acontecesse a nenhum dos adolescentes sob a minha responsabilidade.


Este procedimento demorou aproximadamente cinco horas tempo razoável para vistoriar toda a instituição em busca de armas ou artefatos que os adolescentes pudessem utilizar na suposta rebelião. O que foi encontrado não passou de um cortador de unhas, uma espátula e um palito parece mentira, mas é a verdade inclusive desta maneira foi apresentado ao dia seguinte pelo periódico local.

Uma das coisas que mais preocupou os Amigonianos foi a decisão de deixar dentro da instituição alguns policiais. Isto constituía uma situação totalmente nova e extremamente delicada para o curso normal da Pedagogia Amigoniana, ainda mais que este fato vai de encontro às diretrizes e princípios Amigonianos. Foi nomeado um policia para a função de coordenador da segurança da instituição. Ele trabalharia com o coordenador de segurança contratado pelos Amigonianos. Nesta ordem de idéias o coordenador dos Amigonianos lhe mantinha informado de tudo o que acontecia no dia a dia da instituição Inclusive e, como diretriz institucional e dentro dos procedimentos lhe foram apresentados os objetos (espetos) que em revistas anteriores tinham sido recolhidos dos adolescentes como também alguns restos de maconha foram encontrados nas revistas e que permaneciam guardados, com chave, em seu armário o policial tirou fotos de tudo isto e não falou absolutamente nada. Além disso, Marco Antonio lhe explicou que os primeiros restos de maconha apreendidos foram levados para a delegacia e foram devidamente registrados, mas que as posteriores apreensões não foram registradas pela polícia porque as quantidades, segundo falou a mesma polícia da delegacia, eram insignificantes e não valia a pena fazer um registro, razão pela qual optamos por registrar na instituição e guardar em armário com chave na sala dos coordenadores.

É importante notar que o fato de apreender a maconha nos coloca em uma situação que precisava ser resolvida de maneira prática. Em primeiro lugar não podíamos apresentar a maconha na polícia porque eles não iam registrá-la devido às poucas quantidades em segundo lugar não era possível descartar-la porque era imprescindível seu registro no processo do adolescente isso quer dizer que cada quantidade de maconha por mínima que fosse tinha um registro com a data e o nome do adolescente a quem pertencia. De tal maneira que ao ser registrado não era possível descartar-la. Em conclusão se optou por deixá-la no armário da coordenação. Disto tinham conhecimento todas as coordenações e obviamente os funcionários do governo que trabalhavam dentro da instituição, representando o próprio governo no CIAGO.

Não é necessário falar como era o ambiente no decorrer da semana no interior do CIAGO porque é mais que obvio entender que é um erro crasso e uma falta de conhecimento da Convenção Internacional no tratamento de adolescentes infratores o fato de manterem policiais armados em uma instituição de adolescentes privados de liberdade. Não obstante, com a esperança de que isto logicamente acabaria continuamos trabalhando da melhor maneira possível e esperando a visita do Padre Provincial dos Religiosos Terciários Cachinhos que viria da Colômbia para conhecer de perto a realidade do CIAGO.

Em meio a estes acontecimentos chegou o padre Oswald Leon Enríquez Superior Provincial dos Amigonianos para Colômbia, Equador e Brasil, acompanhado do também sacerdote Wilmar Sanchez Duque Administrador Provincial para os mesmos países. Neste mesmo dia realizaram várias reuniões com funcionários do CIAGO durante a manha continuando na parte da tarde até as 16:00 horas momento em que tive que me ausentar da reunião para atender uma dificuldade que tinha Marco Antonio (coordenador nomeado pelos Amigonianos) em sua sala. Quando cheguei me informaram os policiais que por ordem do governo a sala de Marco Antonio ficaria fechada e ninguém poderia entrar nela até nova ordem.

Imediatamente e um pouco desconcertado procurei Gilmar para que como funcionário do governo explicasse o porquê deste procedimento mais desconcertado fiquei quando me informaram que fazia aproximadamente duas horas que ele tinha saído para uma semana de férias. Esta informação me deixou com uma pulga detrás da orelha e imediatamente chamei o padre Manolo para que se comunicasse com o doutor Ricardo Batista já que a mim não me atendia o celular. Manolo me chama posteriormente e me diz que o doutor Ricardo Batista estava a caminho do CIAGO para resolver a situação. A verdade é que o doutor Ricardo Batista nunca chegou.

Quando eram mais ou menos as 17:45 horas chegaram a instituição aproximadamente oito ou dez pessoas entre elas havia uma mulher, se identificaram como policiais e começaram a recolher o material que encontrava-se na sala de Marco Antonio. Eu entrei com eles e acompanhava em silêncio os procedimentos. Marco Antonio apresentou a maconha e os espetos e explicou para eles que tudo estava registrado nos livros de ocorrências e que cada espeto e cada resto de maconha estavam devidamente registrados com o nome do adolescente e o dia da apreensão. O policial, que estava comandando a operação, diz a Marco Antonio que o mesmo tinha que acompanhá-lo a delegacia porque era um delito ter drogas guardadas. Neste momento Marco Antonio totalmente nervoso procurou dar explicações ao policial, que mantendo uma atitude intransigente insiste em levar Marco Antonio. Neste momento eu explico para o policial que Marco Antonio é o coordenador e que eu era responsável como diretor da instituição nomeado pelos Amigonianos. Portanto este procedimento realizado pelo coordenador no desempenho de seu trabalho, de guardar os espetos e os restos de maconha apreendidos dos adolescentes fora também responsabilidade minha.

Em seguida a policial deu uma olhada nos restos de maconha que estavam sobre a mesa e disse para um de seus companheiros que o melhor era sair daquele lugar porque não tinha nada que comprometesse isso era perda de tempo. E efetivamente a mulher com os outros três foram embora. Depois da saída destas quatro pessoas os policiais se olharam entre eles e mostravam-se indecisos, aquele que queria levar o Marco Antonio para a delegacia começou a chamar pelo celular, as primeiras tentativas de comunicar-se não deram certo razão pela qual permanecemos na expectativa do que aconteceria passados mais ou menos dez minutos até que a ligação completou, ficando claro para todos ali presentes que ele estava chamando alguém para perguntar o que deveria fazer e depois de desligar o celular simplesmente disse que Marco Antonio e eu teríamos que acompanhá-lo à delegacia para registrar as drogas. Saímos para a delegacia e ficamos na entrada esperando, enquanto o policial reunia-se com o delegado. Depois de cinco minutos eles nos pediram entrar e seguidamente um polícia da à ordem de prisão, pegam todos os nossos pertences e somos algemados. Desta maneira e pela primeira vez em minha vida o dia 6 de setembro quinta-feira de 2008 fui preso por causa de meu apostolado como religioso consagrado ao seguimento de Jesus neste carisma concreto das medidas Sócio-educativas.

Como se pode apreciar na seguinte imagem assim foi apresentado no Correio Braziliense a noticia, “Frei que dirige instituição de recuperação de menores infratores esta detido na Papuda por tráfico”. Do mesmo modo a televisão apresentou a noticia.



Agora é importante continuar a presente história o mais fidedignamente possível, por isso neste momento não farei menção alguma ao que este fato significou para mim como pessoa.


Uma vez dada a ordem de prisão fôramos levados a uma cela onde permanecêramos isolados e sem comunicação. Passado algum tempo e como bálsamo para meu infortúnio chegou à cela o Padre Provincial acompanhado de nosso pastor, o Arcebispo de Brasília Dom João Brás de Aviz. O Arcebispo me fez saber que esta situação representava uma afronta para a igreja e que, portanto não ia ficar tranqüilo até ver resolvido da melhor maneira possível este mal entendido. O Padre Provincial informou a grande confusão que este fato estava gerando e das muitas pessoas que se encontravam fora da delegacia literalmente exigindo respeito por parte da polícia para com os Amigonianos. Evidentemente foi assim, foi tanta a confusão e pressão para com o delegado que num dado momento em que me trasladavam ao banheiro escutei ele dizer que não gostaria de estar em serviço naquela noite.

Para mim foi um motivo de felicidade supremamente grande poder dizer que ali na solidão da cela, a partir das 21:00 horas até às 3:45 da manhã recebi a visita, o apoio e claramente o carinho de Dom João que permaneceu comigo até mais ou menos às 4:00 horas da manhã, momento em que fui transferido para a Papuda. Igualmente se fez presente o doutor Renato Rodovalho Juiz da Vara da Infância, o Doutor Anderson Pereira de Andrade Promotor de Justiça, o padre Oswald León Enríquez meu Superior Provincial e o Doutor Brasil Siqueira grande amigo. Inclusive fora da delegacia permaneciam com indignada expectativa grandes amigos e conhecidos que não davam crédito ao que estava acontecendo, entre eles estava o padre Manolo, o Padre Wilmar, Frei Gonzalo, Wenderson e Viviane entre outros.

Em um dos momentos mais pesado da noite por não saber o desenlace de tão emaranhada situação, se fez presente o secretário Raimundo Ribeiro que falou comigo e me fez saber que não se fazia presente ali como secretário, que o fazia como advogado, e que faria o que fosse possível por tirar-nos dali. O doutor Raimundo se reuniu por mais de duas horas com o delegado, com o doutor Ricardo Batista que também compareceu ao local, e com outras pessoas que eu nunca tinha visto, mas seu esforço não foi suficiente porque a voz de prisão já estava dada e era questão de tempo a condução para a cadeia.

Eram mais ou menos quatro horas da manhã quando fomos tirados da cela para que os agentes nos lavassem em custodia até nosso lugar de reclusão, a Papuda. Fora da delegacia permaneciam algumas pessoas entre elas o Arcebispo Dom João, o padre Provincial, o padre Manolo, o padre Wilmar e frei Gonzalo. Sei que aí havia outras pessoas, mas não tive tempo de vê-las porque a saída foi intempestiva. Na saída para a Papuda o agente que estava a cargo de fazer a condução era o agente Jair, a quem eu já conhecia por razões do meu trabalho com os adolescentes em situação de conflito com a lei. Ele expressou seu apoio e consideração para comigo não sem antes esclarecer que estava cumprindo com seu dever, fomos levados ao Instituto de Medicina Legal, depois do procedimento médico continuamos rumo a nosso novo e desconhecido destino.


A Papuda

A Papuda é o complexo penitenciário de máxima segurança que se encontra no Brasília Distrito Federal abriga um pouco mais de 7.000 presos confinados em seis grandes blocos de cimento, distribuídos num espaço de 1.178 hectáreas. Os presos estão divididos pelo tipo de delito cometido. Pelas condições topográficas que apresenta o lugar não é possível usar celulares isto é um fator extremamente positivo ao considerar que nas cadeias de São Paulo se tem comprovado, em reiteradas ocasiões, que os presos continuam delinqüindo e comandando as facções criminosas por meio de celulares.

A este lugar fomos conduzidos, chegando ali o agente Jair consulta seu chefe acerca de nossa situação então fomos colocados num lugar aparte dos demais presos. Este procedimento, segundo foi explicado posteriormente, se deve a motivos de segurança e integridade física já que não era conveniente compartilhar as mesmas celas com outros presos por nossa condição de funcionários que trabalham com adolescentes privados de liberdade. Não obstante também ficou esclarecido que na segunda-feira e, de acordo ao parecer do Juiz seriamos transferidos para outro setor.

Uma das características, entre as muitas que posteriormente foram refletidas por meus amigos e companheiros, que mais surpresa gerou foi o fato de ter sido levado preso na quinta-feira, véspera de feriado e depois do horário de serviço. Desta maneira era praticamente seguro não sair da cadeia, estávamos condenados a permanecer irremediavelmente privados de liberdade até segunda-feira.

Como era de se esperar a imprensa divulgou a matéria de forma sensacionalista, de forma fria sem avaliar as verdadeiras razões e nossos opositores celebraram porque este era um golpe profundo contra os Amigonianos.





CAPITULO V


DA CADEIA DA INCERTEZA E A IRA PARA A LIBERDADE DA RAZÃO E O PERDÃO
“Dois importantes fatos, nesta vida, saltam aos olhos; primeiro que cada um de nós sofre inevitavelmente derrotas temporárias, de formas diferentes, nas ocasiões mais diversas. Segundo, que cada adversidade traz consigo a semente de um benefício equivalente. Ainda não encontrei homem algum bem-sucedido na vida que não houvesse antes sofrido derrotas temporárias. Sempre que um homem supera os reveses, torna-se mental e espiritualmente mais forte... É assim que aprendemos o que devemos à grande lição da adversidade”.
(Andrew Carnegie a Napoleon Hill)

Falar dos sentimentos gerados pelo fato de ter sido privado da liberdade de maneira arbitraria não é uma tarefa fácil ao considerar que como religioso espera-se de mim uma atitude e uma resposta diferente de quem age exclusivamente levado por seus sentimentos. Obviamente, devo reconhecer que meu sentimento era de ira frente aos policiais e funcionários do governo que articularam toda esta trama de dor e tristeza pela preocupação, angustia e o trabalho ao qual se viram submetidos tantos amigos e conhecidos que conscientes de minha inocência se tomaram a tarefa de buscar a qualquer preço minha pronta liberação. Também sentimentos de vergonha porque embora não seja culpado dos fatos que me imputaram certamente um grande número de pessoas que não me conheceram pudessem chegar a duvidar de mim. Estes foram de maneira concisa meus sentimentos. Este estado em que me encontrava me levou a pensar, enquanto permaneci preso, diferentes formas de reagir e a maioria das idéias que surgiam na minha cabeça, como me dei conta depois, foram frutos da ira pela desventura vivida e não como idéias refletidas na luz da razão.